Entrevista com Pedro Lagerblad de Oliveira

“Uma postura amadurecida do ponto de vista da ética científica”. É assim que Pedro Lagerblad de Oliveira vê hoje a Rede Arboviroses. Doutor em Ciências Biológicas, o professor da UFRJ concentra parte de suas pesquisas nos vetores de doenças, em especial os insetos hematófagos, principais transmissores de doenças como dengue, zika e chikungunya. Pedro Lagerblad de Oliveira entrevistado

Para Lagerblad, o diálogo entre instituições e pesquisadores propiciado pelo projeto mostra sua importância quando acontecem colaborações como a troca de cepas virais. Medidas educativas e que envolvem a Comunicação também são fundamentais para a eficácia da prevenção de doenças como as arboviroses, complementa o pesquisador. Lagerblad elogia, por exemplo, iniciativas como o 10 minutos contra o Aedes. “Teve bastante ressonância e segurou os níveis de infestação a partir de uma campanha centrada na sensibilização popular, centrada em engajar a população para ações cotidianas”, afirma.

Leia na íntegra a entrevista de Pedro Lagerblad de Oliveira para o site:

P: Qual foi a motivação do grupo para formar essa rede de pesquisa?

R: Na verdade, o grupo que formou a Rede Arboviroses já tem um histórico de interação antigo e já estava mais ou menos pronto. O que esse recorte significou foi a possibilidade de conversar um pouco mais com as outras sub-redes que formam o  programa da Faperj e alguns recursos adicionais, especificamente voltados para a questão do Zika, que não tínhamos.

P: Qual o papel da Faperj nesse processo?

R: A Faperj foi a agência mais ágil de todas, do ponto de vista de disparar uma articulação e induzir a formação dessas redes. Eu acho que foi o primeiro programa induzido de formação de rede voltada para a questão de Zika, com a ideia interessante de se chamar de arboviroses, que teve um papel da gente não se centrar ao Zika, que foi quase que uma “bola de cristal” com relação à febre amarela, porque num certo sentido o edital comporta, por exemplo, pesquisa com febre amarela, que começou a aparecer quando a rede já funcionava há algum tempo.

A lição básica do chikungunya, e depois da Zika, é que doenças que existiam no ambiente florestal sofrem pequenas mudanças e melhoram a sua competitividade no ambiente urbano, um nicho ecológico que está disponível para ser ocupado e que avança sobre a área de floresta. O “ponto de vista” do vírus nesse sentido é: ou o ser humano acaba com ele (porque destrói a floresta onde ele vive), ou ele aprende a viver no ambiente urbano que invade o ambiente dele.

P: Quais são os maiores avanços do projeto até agora?

R: Basicamente, vários laboratórios dentro da rede ganharam a capacidade de trabalhar com o vírus. Foi construído um infectório (local de manutenção e manipulação de organismos experimentalmente infectados) em que se consegue trabalhar com o Zika, com o dengue, pegou a capacidade de medir a infecção do mosquito em condições de laboratório; temos feito colaborações com grupos internacionais.

De uma forma resumida, alguns grupos dentro da rede estão tentando estudar aspectos diferentes da interação entre o vírus e o mosquito, e ver como isso pode ser utilizado para o controle das doenças.

P: E quais as expectativas a partir daqui?

R: Uma coisa que é importante entender: estamos avançando muito em conhecimento em várias coisas, em Zika, por exemplo, rapidamente. Mas vamos chegar rapidamente na situação que não tínhamos com o dengue, que é a seguinte: a gente não consegue controlar a doença.

É muito pouco provável que a gente encontre uma solução para todo o sempre para isso, porque estamos brigando com uma coisa que é a evolução. Vírus e mosquitos evoluem muito rápido, então, de fato, se você não extingue, ele tem sempre a possibilidade de dar a volta por cima e conseguir desenvolver uma contra-adaptação à sua adaptação. Está no tempo evolutivo dele em anos, décadas ou alguma coisa assim, e desenvolver resistência ao inseticida, a uma droga ou alguma coisa. Não quer dizer que é uma guerra perdida, eu penso que quer dizer que é uma guerra permanente.

P: E quais as principais vantagens desse projeto ser em rede, com a colaboração entre os laboratórios entre diversas instituições?

R: Se você não faz essas pesquisas em rede, fica limitado, do ponto de vista do seu arsenal metodológico e conceitual, àquilo que você domina em um único laboratório. Vários trabalhos importantes, nesse período da Zika, reuniram pessoas que trabalhavam com neurobiologia, com outros vírus, com o mosquito. Essa junção permitiu que com muita rapidez se chegasse a resultados importantes.

As pessoas tiveram uma postura colaborativa, passaram material biológico importante para laboratórios vizinhos sem se preocupar tanto com a questão da autoria. Houve uma postura muito amadurecida e voltada para realmente promover o avanço do conhecimento. Acho que temso que continuar avançando nessa direção e aprender essa lição: isso é uma força e não uma fraqueza. No global todo mundo acaba ganhando quando você faz isso.

P: A contaminação pelo Zika foi uma das maiores causas de apreensão, em 2016. E  a preocupação continua muito focada nisso ou já está mais em direção à outra arbovirose?

R: A mídia gosta daquilo que está dando o ibope, o que enche os ambulatórios. Quando teve uma epidemia de Zika com a amplitude que teve, era razoavelmente esperado que no ano seguinte descesse o grau de infecção. Porque se existe um único sorotipo, a imunidade está ali. Agora, essa imunidade da população vai diminuir, porque vão nascer crianças que não foram expostas, vão entrar outras pessoas, a imunidade vai cair, a gente ainda não sabe como é a infecção a longo prazo, se a imunidade é permanente ou não.

A expectativa é de que em alguns anos a população se torne suscetível de novo, e se continuar tudo igual, vai ter uma nova epidemia. Dengue é assim, tem um ano, no ano seguinte a epidemia cai; você não tem 2 anos de epidemia seguidos, pelo mesmo sorotipo. Não tem surpresa, é previsível.

Eu tenho certo receio do pessoal olhar e dizer que como o número de casos de Zika esse ano foi muito baixo, achar que o problema desapareceu. E aí fica pulando de galho em galho para uma coisa, para outra e não tem continuidade nas medidas.

P: Como pesquisador, que benefício você vê na criação de um canal de informação online que divulga a rede, seus resultados, seus trabalhos?

R: A gente vive de dinheiro público, o público tem direito a saber o que a gente faz com esse dinheiro, em qualquer assunto, em qualquer trabalho. Às vezes é difícil de explicar, nem sempre a gente é preparado para isso. A incorporação de um trabalho de divulgação como parte da rotina do pesquisador, ela serve para lembrar a gente que isso é parte do trabalho, de que precisamos disso.

Precisamos porque é necessário convencer as pessoas da importância do trabalho, porque a gente precisa prestar contas, porque elas têm direito a saber disso; porque é parte da formação da cultura. A ciência é uma parte do mundo. É a compreensão que o ser humano tem da natureza que o cerca. Então como alguém que está trabalhando nisso, a gente tem a obrigação de contribuir para a compreensão que os homens, que os seres humanos têm do mundo.

Entrevista realizada por Ana Sterm